
A Fórmula 1 renasceu. Tudo aquilo que se esperava que o novo regulamento fosse proporcionar e não aconteceu no Bahrein apareceu em dose tripla na Austrália. Uma corrida antológica, com brigas do começo ao fim, com diferentes estratégias, recheada de ultrapassagens, disputas e acidentes.
É inegável que a chuva que caiu a poucos minutos da largada foi decisiva para trazer à corrida tantos ingredientes de emoção. Mas, de toda forma, a pista secou logo no começo e as brigas e ultrapassagens prosseguiram por todas as 58 voltas.
O GP da Austrália serviu para mostrar a FIA o total equívoco que é a obrigação do uso de dois compostos de pneus e de um pit stop por corrida. Se a chuva teve contribuição decisiva em todas as brigas foi principalmente por ter zerado essa regra absurda e permitido que diferentes estratégias fossem estabelecidas. Jenson Button, Robert Kubica e as Ferrari apostaram em apenas uma parada. Lewis Hamilton, Mark Webber e Nico Rosberg decidiram trocar de pneus duas vezes. Para eles não foi a melhor decisão, mas trouxe um molho todo especial à prova.

Button e Alonso se enroscam na largada. E sobrou para Schumacher.
(Foto: Paul Gilham/Getty Images)
Tudo já ficou embaralhado na largada, quando Felipe Massa saltou de maneira esplêndida da quinta para a segunda posição na primeira curva. Sua arrancada foi impressionante, deixando todos na poeira (ou na água, se preferir). A encrenca ficou toda atrás de si, com Button e Alonso dividindo a curva com o espanhol levando a pior, rodando e carregando consigo Michael Schumacher, que entrou de gaiato na história e danificou seu aerofólio dianteiro.
Tanto Schumacher quanto Alonso caíram para o final do pelotão, enquanto Button não teve um prejuízo tão grande, caindo de quarto para sexto. Mas essa situação desconfortável foi decisiva para sua vitória. Como já não tinha mais tanto a perder, resolveu arriscar e foi o primeiro piloto a colocar pneus slick na pista úmida, na sexta volta. Apesar de ter saído da pista logo na primeira volta com pneus para seco, virou uma série de voltas mais rápidas na sequência. Ganhou a corrida ali.
Mas, àquela altura, o franco favorito era Sebastian Vettel, que largara na pole e vinha convincentemente na frente. Enquanto algumas posições se misturaram nas trocas de pneus – Massa caiu de segundo para quarto, Button foi para segundo e Kubica pulou de quarto para terceiro -, o alemão da Red Bull manteve-se em primeiro lugar, até com alguma folga para o surpreendente Button. Até que sofreu sua segunda falha mecânica consecutiva quando liderava, tendo um problema de freios que travou sua roda dianteira direita. Vettel perdeu o controle do carro e ficou atolado na caixa de brita.

Webber e Hamilton protagonizaram os melhores momentos da corrida.
(Foto:Ryan Pierse/Getty Images)
A sorte sorriu para Button, que passou a líder. Lewis Hamilton vinha numa corrida impressionante, assim como Mark Webber. Os dois realizaram diversas ultrapassagens, algumas antológicas, como a de Hamilton sobre o próprio Webber e Felipe Massa na briga pela quinta posição. Os dois se enroscaram logo depois e acabaram ficando para trás, fortalecendo a posição do brasileiro.
Felipe, por sinal, fez uma corrida inteligente. Cometeu poucos erros, não ultrapassou ninguém, era perseguido por todos. Em dados momentos, pareceu fazer uma corrida abaixo da média, mas foi só mais adiante que a explicação apareceu. O brasileiro poupava pneus para não precisar parar novamente, enquanto que os alucinados Hamilton e Webber davam show, despreocupados com seus compostos, já que parariam novamente.
Mesmo com os pneus desgastados, Massa segurou Alonso atrás de si a partir da metade da corrida, calando os conspiradores que já apontavam um favorecimento ao espanhol no GP do Bahrein. Lá atrás, depois da segunda troca de pneus, Hamilton e Webber vinham alucinados, seguidos por Nico Rosberg. Seus tempos de volta eram, em dados momentos, até dois segundos melhores que dos líderes. Inevitavelmente, colariam no pelotão principal. E colaram.
Mas, quando Hamilton apareceu na briga pela quarta posição, seu adversário era Fernando Alonso, osso duro de roer. O espanhol vendeu caro a ultrapassagem, mantendo o inglês atrás de si, sem chances de ultrapassar, por pelo menos dez voltas. E quando Lewis tentou dar o bote, a três voltas do fim, Alonso foi magistral. Defendeu-se limpamente, obrigou o inglês a uma freada forte e Webber, distraído, acertou a traseira do inglês da McLaren. Era o fim da briga. Hamilton conseguiu ainda voltar em sexto, enquanto que o australiano precisou de um pit stop extra para trocar a asa dianteira.

Kubica, 2º com a Renault, foi impecável.
(Foto: Lorenzo Bellanca/LAT Photographic/Divulgação Renault)
Button, já disparado na frente, venceu com méritos. Robert Kubica, mesmo com um carro de potencial duvidoso como o da Renault, foi segundo colocado sem dar chances a ninguém. Andou no mesmo ritmo dos ponteiros e foi o grande destaque da prova. Felipe, com o terceiro lugar, tornou-se o único piloto a subir ao pódio nas duas corridas da temporada até aqui. Garante a segunda posição no mundial de pilotos e mostra que, se não foi brilhante, foi eficiente. E, ao final de 19 corridas, é isso o que vai importar.
Ficou claro que a Red Bull tem um grande carro, mas que ainda tem sérios problemas de confiabilidade. A Ferrari parece estar no meio-termo: tem um carro capaz de brigar pela ponta mais por sua resistência do que por sua velocidade. O que, no fim das contas, acaba sendo até mais importante.
Se, por terem um equipamento tão superior, Vettel e Webber deveriam ser favoritos, já estão um tanto para trás no campeonato e precisarão de recuperação. Tanta superioridade ainda não foi comprovada em resultados. Vettel soma apenas um quarto lugar e um abandono. O australiano foi ainda pior: um oitavo e um nono lugares. Muito pouco para quem tem carro sobrando.
A Ferrari aproveita e dispara na ponta. Alonso lidera o campeonato com 37 pontos, contra 33 de Felipe Massa. Graças à nova regra que valoriza as vitórias, Button já é o terceiro, com 31.
Mas alguém já deve estar se perguntando: e o Schumacher? Pois é. Por mais que deva ser dado a ele o desconto de quem regressa de uma aposentadoria, seu desempenho no Albert Park foi medíocre. Enquanto Alonso se recuperava dos problemas na largada com diversas ultrapassagens, o alemão ficou preso atrás do pouco cotado Jaime Alguersuari quase a corrida inteira. Foi ganhar a posição apenas nas voltas finais, e na sequência aproveitou para ultrapassar Pedro de la Rosa e garantir o décimo lugar. Muito pouco para Schumacher, é preciso admitir. Num domingo em que Button, Kubica, Hamilton, Vettel, Webber, Alonso e até Massa brilharam, ele ficou estranhamente apagado. A diferença de idade já estaria pesando?
Falando em idade, Rubens Barrichello foi outro que ficou um pouco aquém do esperado. Mestre na chuva, não largou bem, caiu do nono para o 11º lugar e fez uma corrida tão discreta quanto Schumacher. Foi oitavo. Seu companheiro Nico Hulkenberg, coitado, foi vítima de uma enorme panca de Kamui Kobayashi. Assim como já tinha ocorrido nos treinos livres, a asa dianteira da Sauber se soltou e o japonês virou passageiro. Na curva, pegou Hulk em cheio, no acidente mais espantoso da corrida. Felizmente, ninguém se machucou.
Entre os outros brasileiros, o mesmo de sempre. Lucas di Grassi teve problemas mecânicos com a Virgin, assim como Bruno Senna com a Hispania. Registro positivo para Karun Chandhok, companheiro de Bruno, que conseguiu arrastar-se com o carro da equipe espanhola até o final, chegando em 14º e último, cinco voltas atrás.
O legado do GP da Austrália de 2010 é extremamente positivo. Por mais que as circunstâncias da corrida não tenham sido normais, fica claro que, em traçados desafiadores e com pontos de ultrapassagem, poderemos ter belas corridas. Pena que semana que vem, na Malásia, deveremos ter outra corridinha sem-vergonha ao estilo Bahrein. A menos que lá caia o mesmo temporal que interrompeu a prova pela metade no ano passado. E, se é isso que garantirá outra corrida histórica, é pela chuva que torço.
RESULTADO DO GP DA AUSTRÁLIA
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