A grande performance de Checo Perez em Sepang no último domingo deixou os fãs do automobilismo com um sentimento agridoce. Se por um lado ficou a excitação de ter assistido a uma bela corrida que revelou um novo talento, por outro ficou uma certa frustração pelo fato da grande vitória, o momento épico, não ter acontecido.
Pouco cotado, com um carro de equipe média e largando apenas na nona posição, Perez brigou pela vitória com autoridade, pressionou Fernando Alonso até o final e colocou no bolso os mais recentes campeões mundiais, Lewis Hamilton e Sebastian Vettel. Se a vitória não veio, foi por um erro no final, um detalhe.
Seguindo minha tradição de procurar paralelos no passado, lembrei de pelo menos outros quatro eventos semelhantes, quando um “underdog” surgiu do nada e meteu medo nos cachorros grandes. Como Perez, todos eles terminaram a corrida na segunda posição, batendo na trave de um grande feito histórico. Ainda assim, grandes momentos.
Ayrton Senna – GP de Mônaco de 1984
Era apenas a quinta largada de Ayrton Senna na Fórmula 1. E apenas a segunda vez que a Toleman levava para a pista o modelo TG184, já que a equipe havia disputado as primeiras corridas do ano com o carro do ano anterior. Mais tarde se descobriria que se tratava de um dos melhores chassis daquela temporada, mas até então, a Toleman não passava de uma mera figurante que nunca tinha sequer conquistado um pódio na categoria.
Saindo da 13ª posição do grid, ninguém imaginava que o grande destaque da corrida seria aquele carro brancão, com patrocínio de café e máquina de lavar, meio desengonçado. Mas a condução de Ayrton Senna naquele chuvoso GP de Mônaco o alçou imediatamente à condição de futuro gênio da Fórmula 1. Na primeira volta, foi beneficiado por alguns acidentes e saltou direto para nono. Dali para a frente, começou uma emocionante escalada de posições até chegar ao segundo lugar. Ultrapassou a Williams de Keke Rosberg e a McLaren de Niki Lauda, deixando todos estupefatos.
Tinha tudo para vencer, vinha descontando a diferença para o líder Alain Prost de maneira vertiginosa, até que a direção de prova viu por bem encerrar a corrida com apenas 31 das 76 voltas previstas. Uma decisão correta, já que as condições eram mesmo extremas e apenas oito dos 20 carros que largaram ainda estavam na pista. A chance de não terminar ninguém era grande, assim como a de alguém terminar machucado. Ficou a sensação de coito interrompido, já que a ultrapassagem de Senna sobre Prost era iminente, mas não dá para condenar a atitude da organização da corrida.
O curioso de toda a história é que Senna cruzou a linha de chegada à frente de Prost, que encostou o carro na reta quando viu a bandeira vermelha ao lado da quadriculada. Enlouquecido, achou que tinha vencido e saiu comemorando numa imaginária volta da vitória. Nas cabines, Galvão e Reginaldo chegaram a aclamar o brasileiro como vencedor do GP. Mas quando Ayrton descobriu que em caso de interrupções assim o resultado que vale é o da volta anterior, ficou com cara de poucos amigos. Depois, no pódio, relaxou e percebeu que aquele segundo lugar tinha gosto de vitória. Era a senha que outras viriam no futuro. E vieram.
Jean Alesi – GP dos EUA de 1990
Alesi mal tinha começado sua carreira na Fórmula 1, mas já tinha dito a que veio. Logo em sua estreia, no GP da França de 1989, chegou a andar em segundo lugar e terminou a prova em quarto, com uma fraca Tyrrell. Em 1990, nos Estados Unidos, continuava na Tyrrell e fazia sua primeira corrida de abertura de uma temporada. Não se esperava muito de sua equipe, já que vinha de uma temporada errática no ano anterior (um pódio, alguns pontos marcados, mas falhando em se classificar para o grid em algumas etapas).
Porém, a equipe havia trocado o fornecedor de pneus, estreando em Phoenix os compostos da Pirelli. E os pneus levados pelos italianos fez um sucesso danado naquela pista. Num treino de classificação muito louco, os carros com Pirelli levaram vantagem sobre os Goodyear, gerando resultados curiosos. Pierluigi Martini colocou uma Minardi na primeira fila. Andrea de Cesaris foi o terceiro com Dallara, enquanto Jean Alesi conseguiu um quarto lugar para a Tyrrell. Imaginava-se que tudo tinha sido um brilhareco proporcionado por um bom pneu de classificação e que na corrida as coisas seriam diferentes, mas não foi bem assim.
A profecia chegou a se comprovar logo nas primeiras voltas, com as Minardi e Dallara ficando para trás, enquanto os melhores carros como a McLaren de Senna e a Ferrari de Prost vinham ganhando posições. Porém, Alesi conseguiu imprimir à corrida um ritmo capaz de levá-lo à vitória. Arrancou bem na largada, pulando de quarto para a ponta logo na primeira curva, fez uma série de voltas mais rápidas e foi administrando a liderança com maestria, como fosse um veterano, não permitindo a aproximação de Gerhard Berger, que vinha logo atrás em sua prova de estreia pela McLaren.
Berger errou e bateu, e Alesi conseguiu manter certa vantagem na ponta até mais ou menos metade da corrida, quando passou a ser pressionado pela McLaren de Senna. Seu carro, ainda um modelo do ano anterior, não foi suficiente para conter a eficiente McLaren-Honda do brasileiro e acabou cedendo a ultrapassagem, mas não sem antes vendê-la bastante caro. Senna tentou ultrapassar, mas tomou um xis na curva seguinte. Uma volta depois, tentou outra vez a manobra no mesmo lugar, mas Alesi novamente tentou dar o troco. Não tracionou tão bem, mas conseguiu ainda emparelhar com a McLaren por mais três curvas até, finalmente, ser batido.
Foi bravo, foi heróico, seria a primeira vitória da Tyrrell em sete anos, mas não deu. Alesi terminou em segundo lugar e ali carimbou seu passaporte para ser piloto da Ferrari no ano seguinte. Por bastante tempo foi visto como um potencial campeão de Fórmula 1, mas nunca conseguiu estar na equipe certa na hora certa. Naufragou nas sucessivas crises da Ferrari e terminou a carreira com apenas uma vitória, bem menos do que seu talento prometia – e merecia.
Ivan Capelli – GP da França de 1990
Capelli já não era nenhum novato na Fórmula 1, pelo contrário. Já estava na categoria desde 1985, sempre em equipes pequenas e médias. Estava na March/Leyton House desde 1987, onde fez grandes apresentações em 1988, terminando o campeonato em sétimo lugar, com dois pódios. Porém, a equipe vinha em declínio desde então. O projetista era Adrian Newey, que fazia carros aerodinamicamente perfeitos, mas que tinham muitas dificuldades em terrenos acidentados. Tanto que nem Capelli nem Mauricio Gugelmin, seu companheiro de equipe, haviam conseguido classificação para largar no GP do México de 1990, disputado na ondulada pista do Autódromo Hermanos Rodriguez.
Porém, na etapa seguinte, em Paul Ricard, a situação seria bem diferente. Num circuito de asfalto bastante liso, a perfeição aerodinâmica da criação de Newey encontrou um habitat perfeito para brilhar. Os motores eram os fracos Judd, mas ainda assim o time conseguiu preparar carros competitivos para a corrida. Capelli classificou-se em sétimo no grid e Gugelmin, em nono.
Não se esperava que as Leyton House teriam algum destaque na prova, no máximo eram candidatas a pontuar. Mas a estratégia bolada pela equipe deu um banho em todo mundo. Com carros equilibrados e que consumiam poucos pneus, os dois pilotos partiram com pneus duros para uma corrida sem pit stops, enquanto todos os demais estavam de macios, prevendo uma parada. No começo da prova, tudo normal, com McLaren e Ferrari brigando pela ponta. No entanto, logo após a parada para troca de pneus, surgiu na frente uma dobradinha em azul piscina. Capelli na frente, Gugelmin em segundo, e nada de eles pararem para trocar pneus.
O ritmo de corrida de ambos era bom e uma dobradinha ao final da prova passou a ser possível. Porém, pressionado por Prost, o motor Judd de Gugelmin abriu o bico a vinte voltas do final. O francês da Ferrari passou, assim, a perseguir Ivan Capelli, que se defendia bravamente. Apesar da pressão de Prost, a vitória parecia iminente até que… o motor da March começou a falhar a três voltas do fim. O italiano conseguiu continuar na pista, mas não teve mais qualquer chance de brigar pela ponta. Se arrastando, cruzou a linha de chegada em segundo. Um belo resultado, mas a vitória passou raspando.
Foi o último pódio de Capelli, que continuou afundando com a Leyton House, que mais tarde naquele ano teria seu proprietário preso por fraudes no Japão. O italiano teve ainda uma chance na Ferrari em 1992, mas pegou um dos piores carros da equipe em toda a história e não soube lidar com a situação. Foi dispensado antes do fim da temporada e tentou reerguer a carreira na Jordan no ano seguinte. Depois de duas corridas, obscurecido pelo estreante Rubens Barrichello, percebeu que já não tinha mais espaço e abandonou a Fórmula 1, sem nenhuma vitória.
Damon Hill – GP da Hungria de 1997
Campeão mundial em 1996, mas demitido pela Williams logo após a conquista do título, Damon Hill foi buscar abrigo na Arrows em 1997. A equipe havia sido comprada por Tom Walkinshaw no ano anterior, mas continuava sendo o que sempre foi: um time médio que de vez em quando aprontava uma ou outra. Ainda assim, nos últimos oito anos havia feito apenas um pódio absolutamente ocasional, com Gianni Morbidelli no GP da Austrália de 1995, uma corrida em que quase ninguém chegou ao fim e que o próprio Hill havia vencido com duas voltas de vantagem para o segundo colocado.
A contratação do atual campeão foi mais uma jogada de marketing para atrair as atenções (e patrocínios) que o número 1 estampado na carenagem traz do que exatamente um planejamento para crescimento da equipe. O carro era bem fraquinho e os motores Yamaha nunca disseram o que tinham vindo fazer na Fórmula 1. Logo na estreia, no Albert Park, Hill penou para conseguir classificação para o grid. Seu companheiro, o pay-per-drive Pedro Paulo Diniz, ficou fora da zona dos 107% e só pôde largar depois de um pedido de clemência à direção de prova.
Porém, contra todos os prognósticos, durante a temporada a Arrows evoluiu bastante. Principalmente em circuitos mais travados, nos quais a potência de motor não era determinante para um bom resultado. De repente, em Hungaroring, 11ª etapa do campeonato, Hill obteve uma impressionante terceira posição no grid.
Na corrida, o desempenho do então campeão mundial foi ainda mais incrível. Na largada, ultrapassou a Williams de Jacques Villeneuve e pulou para segundo. Acompanhou a Ferrari do líder Michael Schumacher por cerca de dez voltas, até ultrapassá-la no final da reta. Ninguém acreditava, mas havia uma Arrows na liderança!
Mas não duraria muito tempo, pois Heinz-Harald Frentzen veio escalando o pelotão com sua Williams até ultrapassar Hill, tornando-se o novo líder. Porém, seu carro quebrou quatro voltas depois, devolvendo a ponta para a zebra em azul e branco. E Hill seguiu dominando a prova, para absoluta surpresa de todos que acompanhavam. Não só manteve a ponta como foi abrindo de maneira espetacular. A poucas voltas do fim, tinha mais de 40 segundos de vantagem para Jacques Villeneuve. A vitória era certa, bastava aguardar a bandeira quadriculada.
Só esqueceram de avisar o sistema hidráulico da Arrows, que entrou em colapso e não permitiu mais que o inglês acelerasse seu carro de forma correta. A duas voltas do fim, começou a virar parciais muito lentas e Villeneuve começou a descontar a diferença. A aproximação foi inevitável até que, na metade da última volta, o canadense ultrapassou Damon Hill. Apesar da manobra espetacular, com o piloto da Williams lembrando seu pai ao atirar seu carro na grama para consumar a ultrapassagem, pouca gente ficou feliz. A vitória, merecida, deveria ter sido de Hill e da Arrows. Mas eles tiveram que se contentar com um segundo lugar.
Foi o último pódio da Arrows, que dali para frente entrou em crise até fechar as portas melancolicamente, em 2002. Hill, porém, mudou-se para a Jordan e teve a honra de dar ao time irlandês sua primeira vitória na Fórmula 1 no ano seguinte, na Bélgica. Por sinal, as belas temporadas do inglês com carros inferiores, depois de quatro anos de Williams, serviram para não deixar dúvidas quanto ao seu talento. Hill aposentou-se em 1999 deixando uma imagem bem mais positiva do que a que tinha em 1996, quando foi campeão. Ironias da vida.